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Afronta à Lei Seca
Número de motoristas flagrados dirigindo com sintomas de embriaguez em BRs de Minas surpreende até os policiais. Na capital, ocorrências se sucedem e suspeitos ficam impunes
Pedro Rocha Franco
Euler Junior/EM/D.A Press %u2013 16/6/08
Combinação entre álcool e volante tem ficado mais frequente e brechas dificultam a punição de condutores que infringem legislação. Escalada no número de ocorrências preocupa agentes

Às vésperas de a Lei Seca completar um ano de vigência, o comportamento de boa parte dos motoristas mineiros em relação à combinação álcool e direção é de completo descaso. Se nos primeiros meses os condutores se desdobraram em busca de opções para evitar desobedecer as novas regras, faltando menos de 20 dias para o primeiro aniversário da legislação, o que se vê é falta de consciência, aliada à brecha legal que permite a infratores se recusar a soprar o bafômetro. Diante disso, mesmo que haja rigor na fiscalização, a punição mais severa – detenção e apreensão da carteira – , em muitos casos não pode ser aplicada. Uma combinação que se reflete nas estatísticas da irresponsabilidade ao volante: apenas no domingo, a Polícia Rodoviária Federal (PRF) identificou 17 condutores com suspeita de embriaguez nas BRs que cortam o estado, número que surpreendeu os próprios agentes. No Sul de Minas, ambos os motoristas envolvidos em uma batida na BR-459 apresentavam sintomas de consumo de álcool.

Nas fiscalizações a cargo da Polícia Militar, nos últimos 11 meses houve aumento superior a 55% no número de operações de trânsito urbano e rodoviário, que saltaram de 100.019 para 156.007. O número indica maior rigor na vigilância exercida nas rodovias estaduais e nas vias urbanas. Ao todo, 5.102 condutores foram detidos por constatação de embriaguez, com concentração de álcool superior a seis decigramas por litro de sangue (no etilômetro, o equivalente a 0,3 decigramas por litro de ar expelido). A média de pessoas detidas por dia é superior a 15, principalmente depois da compra de 183 bafômetros, no fim do ano passado. Até a aquisição, no entanto, a PM contava apenas com dois aparelhos. O balanço não leva em conta os casos registrados nas rodovias federais, que devem ser totalizados pela PRF no dia 21.

Somente em Belo Horizonte, de junho do ano passado até abril, 1.279 pessoas foram submetidas a exames para verificação de embriaguez (bafômetro ou exame de sangue). Do total, 946 foram reprovados nos testes e o restante apresentou condições de dirigir, de acordo com balanço do Departamento Estadual de Trânsito de Minas Gerais (Detran-MG). Em um primeiro momento, como consequência do rigor e da conscientização de parte da população, houve redução no número de mortes em 6,94% em Minas, apesar de o número de acidentes (com e sem vítimas) ter tido aumento de 12,39% desde a entrada em vigor da Lei Seca, em comparação com mesmo período do ano anterior.

Mas, na própria capital, as últimas ocorrências indicam a mudança de comportamento dos motoristas. Uma prova disso ocorreu na madrugada de domingo. Na Avenida Nossa Senhora do Carmo, no Bairro São Pedro, Região Centro-Sul de BH, uma auxiliar judiciária foi detida pela PM por dirigir na contramão e apresentar sinais de consumo de bebida alcoólica. Conhecedora da legislação, ela se recusou a soprar o bafômetro e as únicas provas da possível combinação álcool e direção não possibilitaram sua responsabilização penal. Sem a certeza de que a motorista estivesse alcoolizada, a única punição prevista é o pagamento de multa de R$ 957. Caberia também a suspensão da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) por até um ano – isso se a condutora não fosse inabilitada, como constataram os policiais.

LENTIDÃO Outro incentivo à impunidade para os que insistem em associar a bebida à direção é a morosidade nos julgamentos. Desde a entrada em vigor, a Lei Seca ocasionou a cassação de apenas duas CNHs. Em BH, o comerciante Elison Alair, apesar de ter ficado famoso na imprensa e na internet por declarações dadas depois de um acidente (“Bebi, bebi e bebi”, disse, depois de fugir de uma batida e voltar ao local do acidente de pijama), precisou reincidir na infração para ter a habilitação cassada pelo Tribunal de Justiça.

Para o advogado criminalista Aldo de Campos Costa, autor do texto Lei Seca: alcoolemia zero, punibilidade também, a única saída é excluir da redação atual o trecho que indica a concentração de álcool necessária para haver a infração penal, tal como ocorria com o texto original do Código de Trânsito Brasileiro. “É um retrocesso”, opina, em relação à Lei Seca. “No caso da punição penal, a prova só pode ser fornecida pelo próprio autor do delito. Seria preciso voltar à redação antiga, só que com a disposição para a fiscalização, como em princípio se dá agora”, opina, sustentando que a legislação anterior era suficiente, desde que houvesse vigilância para que fosse cumprida.
02 jun 2009 - ESTADO DE MINASVoltar