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Detran quer pacote antifraude para habilitação de condutores de ônibus

Departamento admite ter conhecimento de práticas para burlar a carga horária de formação de motoristas de
ônibus e deve testar tecnologia para tentar garantir cumprimento da lei
Mateus Parreiras
Paula Sarapu
Publicação: 05/02/2013 Jornal Estado de Minas

Para coibir fraudes no processo de habilitação de motoristas na categoria D, para a qual autoescolas
oferecem pacotes de aulas de direção com carga horária menor que a exigida pelo Departamento Nacional
de Trânsito (Denatran) o Detran-MG promete lançar mão da tecnologia. A ideia é testar mecanismos de
controle com uma autoescola parceira, ainda neste semestre. Quatro operadores vão monitorar a circulação
dos ônibus e poderão determinar a abordagem surpresa, em pontos pre-determinados, para saber se o
aluno de fato está dirigindo. “Infelizmente, o pessoal faz de tudo e a gente sempre precisa pensar em
mecanismos de fiscalização, porque a relação de confiança que deveria existir é falha. O interesse parte do
cidadão, na maioria dos casos, e as autoescolas acabam aceitando para não perder o candidato para a
concorrente”, alega o chefe da Divisão de Habilitação do Detran/MG, delegado Anderson França.
Ele diz que a fiscalização será por amostragem, como já ocorre na biometria para as aulas teóricas e
práticas em automóveis. “Esse sistema funciona bem. Hoje, é muito difícil ter um caso desses, porque eles
sabem que podem ser abordados ou fiscalizados.” De acordo com o policial, o sistema pode começar a
funcionar em Belo Horizonte até o fim do ano. Ano passado, segundo o Detran-MG, houve 44 punições para
autoescolas e instrutores em Minas Gerais: foram 17 suspensões, 15 advertências e 12 cancelamentos de
credenciamentos ou registros funcionais por irregularidades diversas.
No caso da redução da carga horária para candidatos à carteira D, são os instrutores que, geralmente, têm a
última palavra na permissividade das autoescolas, ao marcar exames com menos aulas do que o Denatran
julga necessário. Na autoescola Radioativa, que vende 10 aulas de 50 minutos, a atendente diz que o
instrutor pode “liberar” o aluno antes de cumprir a carga já reduzida. “Falando para o instrutor que está com
pressa, ele te dá uma ajudinha”, garante. O mesmo ocorre na autoescola Capital, que oferece o mesmo
tempo abaixo do devido. “Primeiro, você precisa ser avaliado pelo instrutor. Se o instrutor disser que tá
beleza… beleza (pode fazer menos aulas). Eu acho que teria de ser as 15 aulas, mas você conversa com
ele na sua primeira aula”, disse a balconista.
Sem qualquer constrangimento, uma funcionária do Centro de Formação de Condutores Ouro de Minas
admite que nenhum aluno faz aula de 50 minutos, apesar de vender o pacote de 10 aulas de 50 minutos,
33% abaixo do limite aceitável para marcação de exames. “Ninguém faz aula de 50 minutos, não. Dentro do
ônibus, ninguém ‘guenta’ (sic) fazer. Carro você fica rodando, né? Ônibus, não tem jeito.” Assim, na verdade,
os alunos acabam sendo estimulados a cumprir apenas 10 aulas de 30 minutos, o que somaria apenas cinco
horas para se considerar o condutor capacitado ao transporte profissional de passageiros.
Rastreados
Sócia-proprietária da Radioativa, Roseane Cunha afirma que é absolutamente contra esse tipo de prática.
Ela afirma que em seus três centros de formação (dois deles no interior) todos os veículos são monitorados
por rastreadores desde março do ano passado. A empresária garante que não há fraude na sua autoescola
e diz que o sistema lhe permite checar todos os horários e distâncias percorridas pelos instrutores. Ainda
assim, Roseane informa que vai apurar as denúncias e punir os envolvidos. Ela foi a única a solicitar àreportagem o vídeo com as imagens da negociação.
“Se isso aconteceu, não foi com minha conivência. Todos os meus funcionários, quando admitidos, assinam
uma circular na qual me posiciono contra a venda de carteiras e a prática de redução de tempo. Já tive
casos de instrutores que vendiam aulas dentro do carro e ficavam com dinheiro, mas, com esse controle
maior, isso não é possível, porque o sistema aponta quando o carro está ligado, quando está desligado,
quando está circulando. O rastreador me oferece os mapas por onde os veículos passam e os tempos em
que estão ligados ou não. Não justifica um instrutor dar 30 minutos de aula e rodar sozinho de ônibus.
Vender menos aulas também seria prejuízo para mim e eu estaria colocando nas ruas um condutor
desqualificado”, argumenta a responsável pelo centro de formação.
Na autoescola Capital, a diretora Maria do Sagrado Coração disse que não se vendem pacotes com menos
de 15 aulas, o exigido por lei. Desconfiada, ela garante que essa situação não ocorre em seu
estabelecimento. “Não acredito que alguém tenha informado isso. Aqui, não vendemos menos de 15 aulas
nem marcamos exames antes de o aluno completar tudo”, disse, perguntando o nome do profissional que
fez a negociação.
‘Belo Horizonte inteira faz isso’
Se muitas empresas negam a prática de marcar exames para futuros motoristas de ônibus e vans escolares
com menos aulas que o exigido pelo Denatran, há quem admita que a prática é corriqueira e disseminada
entre as autoescolas. O diretor-proprietário do Centro de Formação de Condutores Ouro de Minas, Igor
Tadeu Lopes, admite que trabalha dessa forma: “Belo Horizonte inteira faz isso. O Detran exige 50 minutos,
mas, como a pessoa já é habilitada e tem certa noção de carro, a gente acaba vivendo na selva de pedra.
Quem dera eu pudesse cumprir essa exigência, mas minha concorrência toda faz”, afirma ele. “Não adianta
dizer o contrário. O aluno já procura com orçamento de outras escolas e, se eu não fizer, não vou ter aluno
nenhum. Todo mundo está errado, mas como vou pagar a prestação mensal de R$ 5 mil do meu ônibus,
pagar meus funcionários e impostos? Preciso fazer (o dinheiro) girar”, justifica Igor.
Segundo ele, o Detran precisa rapidamente desenvolver um sistema de biometria para a categoria D. “O
Detran quer punir a gente, mas não dá mecanismos de controle. O sistema é lento e falho. Eles ficaram de
implantar alguma fiscalização só depois de junho. A biometria funciona bem na categoria B (carteira para
carros de passeio) e seria muito legal para as outras também. Só assim a gente pode bater de frente com o
aluno.”
Já na autoescola Catalão, o diretor-proprietário, Admar Fonseca, diz que pode até vender menos aulas, mas
diz que o aluno só ganha o certificado para fazer o exame depois de cumprir o prazo estabelecido. Ele
afirma que essa prática existia em algumas autoescolas até o ano passado, mas entende que o aluno
precisa treinar para conseguir um bom desempenho.
“Como consumidor, ele não é obrigado a comprar 15 aulas de uma vez. Pode comprar 10, se quiser, mas só
vai fazer o exame depois das 15. Para o exame de categoria D, o aluno normalmente dirige e domina o
ônibus e consegue se preparar mais rápido do que o motorista de carro. Ele já vem com uma bagagem que
ajuda, mas tem que cumprir as aulas. Com tantos anos de experiência, percebo que o aluno chega aqui
meio impositivo, mas nós mostramos com trabalho de convencimento que ele precisa passar pelo
treinamento”, afirma ele.
O empresário Antônio de Barros Carneiro, proprietário do Centro de Formação Carneiro, admitiu ontem que
sua instituição, “eventualmente”, permitia que alunos interessados na troca de categoria da carteira de
habilitação para D fizessem aulas de 30 minutos em ônibus. Ele, porém, garantiu que o exame só era
marcado depois que a carga horária mínima exigida pelo Denatran fosse totalmente cumprida. “Fazia isso
para ajudar aqueles que estavam com dificuldades. São alunos já habilitados, que buscam a troca de
categoria para conduzir ônibus. Eles faziam inicialmente 15 aulas de 30 minutos e depois mais 15 sessões
antes do exame, o que supera até a carga horária mínima exigida”, afirmou Carneiro, há 42 anos atuando no
setor, que garante não oferecer mais aulas reduzidas.
O QUE DIZ A LEI
Uma pessoa habilitada na categoria D pode conduzir veículos de transporte de passageiros cuja lotação
exceda oito lugares, além de todos os veículos abrangidos pelas categorias B (carros de passeio) e C
(caminhões). As regras para treinamento e exames são regulamentadas nos artigos 148 e 156 do Código de
Trânsito Brasileiro, nas Resoluções Contran 50/98 e 74/98 e na Portaria Denatran 47/99. De acordo com as
legislações, é vedada a realização de aulas práticas nas vias públicas usadas para a realização das provas
de prática de direção veicular. A prática de direção deverá desenvolver os conhecimentos e habilidades
necessárias, com carga horária mínima de 15 horas/aula, sendo que a hora/aula corresponde a 50 minutos.
Nessas aulas deverá ser ensinado o funcionamento do veículo e o uso de equipamentos e acessórios, além
da prática de direção defensiva. Motoristas dos transportes público e escolar precisam ainda fazer curso
com 50 horas de duração que envolve legislação, direção defensiva, primeiros socorros, respeito ao meio
ambiente, convívio social e relacionamento interpessoal.
Estados querem mais aulas
O Detran-MG e órgãos de trânsito de outros estados entregaram ao Denatran, no fim do ano passado, um
pedido formal para que haja revisão dos tempos previstos em aulas práticas de todas as categorias. O
documento está em análise e, segundo o chefe da Divisão de Habilitação do Detran-MG, delegado Anderson
França, uma definição deve sair este ano. Para as categorias A e B (motocicletas e automóveis), a sugestão
é de que as 20 horas de aulas práticas passem para 40. Já nas categorias C, D e E, o tempo também seria
dobrado, de 15 para 30 horas.

06 fev 2013 - JORNAL ESTADO DE MINASVoltar