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Previsível e evitável


"Viver é mesmo perigoso, mas viver sobre uma moto nas ruas das grandes cidades brasileiras está ficando perigoso demais"


Maurício Lara


No sinal fechado, eles vão passando à frente, rente aos carros, fazendo manobras, qual equilibristas, para evitar esbarrões nos retrovisores e latarias e ficarem livres de discussões com os motoristas. Param na frente ou ao lado dos veículos maiores, nunca atrás. Juntam-se, aos montes, e arrancam barulhentos e apressados. É cena cotidiana, cada vez mais corriqueira nas ruas da cidade grande.

Os motoristas parecem não gostar dos motoqueiros, não os enxergam pelo retrovisor, não admitem que eles andem devagar ocupando uma faixa inteira. Ficam irritados quando eles passam em velocidade, “costurando” o trânsito e querendo chegar rápido a um destino incerto. Os motoqueiros parecem não gostar dos motoristas, acionam suas buzinas fracas, talvez imaginando que elas terão força para tirar da frente o automóvel, ônibus ou caminhão, muito mais pesados, muito mais lentos e muito mais fortes. Motoristas e motoqueiros xingam-se a toda hora, parece guerra, até à revelia das leis de trânsito. Alguém tem razão?

O número de motocicletas aumenta a cada dia. O repórter Pedro Ferreira conta que antes do meio do ano mais de 70 mil somaram-se aos mais de 1 milhão que infestam as ruas das cidades mineiras. Só na capital, elas passam de 100 mil. Também é fácil adquirir uma. Módicas prestações quitadas em longos e intermináveis meses, com prometidos juros bem baixinhos, anunciados em alto e estridente som, num apelo mais alto que o barulho das descargas abertas pelas ruas.

Em tese, nada de errado. Ao contrário, a moto é mais econômica, certamente menos poluente, ocupa menos espaço e, também em tese, permite que o motoboy ganhe a vida com dignidade. Vira alternativa no meio do trânsito confuso e caótico e do transporte precário. Grande parte das motos tem acoplado na garupa o baú que acondiciona o ganha-pão: pizza, sanduíche, comida chinesa, pão, documentos. Levam de tudo, desde que caiba no baú ou na mochila. E levam depressa, chegam rápido ao destino. Quando chegam.

O problema é que, para ganhar a vida, muitos acabam perdendo a vida que queriam ganhar. O corpo estendido no chão é outra cena corriqueira no trânsito. O encarregado de manutenção José Quirino Alves tinha 39 anos e chegou ao fim da linha na semana passada, ao bater na traseira de um ônibus e ser esmagado por um caminhão. Engorda as estatísticas: um dos dois que morrem por semana
em BH. Um dos que não têm a mesma “sorte” dos 16 feridos que dão entrada, todos os dias, no Hospital João XXIII.

A estatística é cruel. Motoqueiros ou garupas são 45% das vítimas de acidentes de trânsito hospitalizados na capital todos os meses. Para motoqueiros como José Quirino, a estatística é muito mais cruel. Para ele, que perdeu a vida, o índice é de 100%, sob qualquer ângulo de análise.

A morte dos motoqueiros é previsível e, portanto, evitável. Há casos como o do motoboy Donizeth Ferreira, que morreu esmagado por um elevador na hora de entregar a comida chinesa, há uma semana. Estava longe da moto. Escapou do trânsito, não escapou do fosso do elevador. Viver é mesmo perigoso, mas viver sobre uma moto nas ruas das grandes cidades brasileiras está ficando perigoso demais.

30 out 2007 - Estado de MinasVoltar