Uma brincadeira inconseqüente terminou em drama para o estudante Pablo Magalhães Rodrigues, de 14 anos. Atropelado, ele sofre há quatro meses em um dos leitos do Hospital de Pronto-Socorro João XXIII (HPS), em Belo Horizonte. Em sua bicicleta, o garoto pegou traseira em um caminhão e a aventura acabou mal. Pablo perdeu o equilíbrio e as rodas do veículo passaram por cima dele. Ainda abalada pelo acidente, a mãe, Andréia Vieira, enumera as seqüelas: o filho perdeu boa parte do intestino, sofreu várias hemorragias e fraturas nas pernas. A vida ficou por um fio.

Casos como de Pablo estão por trás da pesquisa divulgada ontem pelo Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), feita em 13 estados. De 2000 a 2007, mais de 8 mil crianças morreram em acidentes de trânsito e 180 mil ficaram feridas. Somente no ano passado, 10,5 mil menores foram vítimas de atropelamento, quedas de bicicleta e também como passageiros de veículos. E, de acordo com a coordenadora geral de Educação do Denatran, Juciara Rodrigues, o número está subestimado, pois nem todos os estados participaram da pesquisa.

“Concluímos que muitas crianças estão morrendo nas vias públicas brasileiras. Mortes que poderiam ser evitadas com mais orientação e cautela dos pais. Percebemos que, na maioria das vezes, elas são feridas quando estão na condição de pedestres”, afirma. Juciara explica que o princípio básico no tráfego de veículos é ver e ser visto. No entanto, falta à criança essa percepção. “É importantíssima a conversa permanente entre pais e filhos. O estudo inclui acidentes com veículos automotores e também uso de brinquedos em ruas e avenidas, como patins, bicicletas e skates. O bom exemplo dos responsáveis é fundamental”, diz a especialista. Dia 12, o Denatran lançou a campanha “Ajude a salvar nossas crianças. Cuide delas no trânsito”, que será veiculada até mês que vem.

Dados do Ministério da Saúde (MS) reforçam a gravidade da situação. Cerca de 2,3 mil menores de até 14 anos morrem, por ano, em decorrência de acidentes automobilísticos. Isso significa 40% das mortes por acidentes envolvendo crianças. As causas mais comuns são atropelamento, impactos de batidas em carros de passeio, vans escolares, ônibus, quedas de moto e de bicicleta. Outro dado alarmante é a quantidade de crianças que perdem a vida na condição de passageiras. Levantamento do MS mostra que em 2005 houve 551 óbitos de menores com até 14 anos de idade. Segundo a organização não-governamental (ONG) Criança Segura, a falta de cinto de segurança e de cadeirinhas adequadas à idade é uma das causas.

Em Belo Horizonte a história não é diferente. A delegada-adjunta da Delegacia Especializada de Acidentes de Veículos (DEAV), Andréa Abood, afirma que os acidentes ocorrem principalmente em lugares conhecidos, como nas imediações das escolas e da casa da vítima. “Criança não pode andar desacompanhada de adulto. Além de ser muito mais frágil, ela ainda não tem o instinto de defesa desenvolvido. Por isso, quando é ferida, os traumas são bem mais graves e se tornam mais letais. A pesquisa é muito importante para que o poder público saiba exatamente onde investir”, diz. Em 2006, o Detran e a BHTrans registraram oito mortes de crianças com até 12 anos na capital.

SOFRIMENTO Somente no HPS, 648 meninas e meninos foram atendidos até setembro com traumatismo craniano e ou fraturas, média de 72 por mês. A mãe de Pablo sofre ao ver o garoto debilitado. Entre lágrimas e arrependimento, ela descreveu o desespero de ter seu único filho entre a vida e a morte. “Pegar traseira em veículo é arriscado e o que ele fez é erradíssimo. A situação foi tão grave que os médicos chegaram a me dizer que Pablo tinha 12 horas de vida. O intestino ficou necrosado e está quase todo perdido. Ele recebe alimentação pelas veias e teve fraturas nas pernas. Peço a Deus para proteger todas as crianças, pois não desejo que ninguém passe por esse sofrimento. Deveria ter conversado mais com meu filho. Agora, a solução é ter fé para que ele volte a ter uma vida normal.”

Maria Anita Campos, de 42 anos, também dorme no hospital, com a filha Liliana Pereira de Freitas, de 12. “Disse para ela não sair de bicicleta, pois o veículo estava com problemas, mas não me obedeceu. Ao descer a rua, a bicicleta perdeu o freio e minha filha foi parar num barranco. Ela teve lesão na coluna e ficará de dois a nove meses em uma cadeira de rodas”, diz a mãe. Acamada, a menina se arrepende. “As crianças devem fazer uma revisão na bicicleta. E nunca mais vou desobedecer meus pais”, conta.

A pequena Pamella Cristine Gonçalves, de 6, foi atropelada na porta de casa, em Venda Nova, na Região Norte de BH. Mesmo acompanhada da tia, ela teve o tendão rompido quando a roda do carro passou por cima de seu pé. “Quando foi atravessar a rua, em setembro, ela não viu o veículo. Minha irmã tentou segurá-la, mas não conseguiu. Mesmo perto do meio fio, Pamella foi atropelada. Já passou por uma cirurgia, mas o médico disse que, provavelmente, perderá alguns movimentos do pé. Aprendi que todo cuidado é pouco. Prevenir e orientar nunca é demais”, diz a mãe da menina, Daniele Cristina Gonçalves.

Quantidade de crianças (até 12 anos) vítimas de acidentes de trânsito atendidas no HPS de bh

2005 - 1.292
2006 - 1.136
2007 – 1032
2008 (até setembro) – 648

Quantidade de adolescentes (de 13 a 19 anos) vítimas de acidentes de trânsito atendidas no HPS de BH

2005 - 1.603
2006 - 1.518
2007 - 1.758
2008 ( até setembro) - 1.362

CRIANÇAS DE 0 A 12 ANOS

• 2000 a 2007 - 187.600 crianças vítimas de acidentes de trânsito
• 2000 a 2007 - 179.571 feridos
• 2000 a 2007 - 8.029 mortes

• Janeiro a julho de 2008 - 5.002 vítimas em acidentes de trânsito
• Janeiro a julho de 2008 - 4.819 feridos
• Janeiro a julho de 2008 - 183 mortes

Fonte: Denatran- pesquisa com dados de 13 estados