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Cruzar BH é uma viagem
Equipe do EM enfrenta percurso entre os dois pontos finais da linha Anchieta/Dom Cabral e constata que quadro de horários é ficção e que motoristas disputam corrida de obstáculos
Fábio Fabrini
[FOTO2]Geraldo Antônio Marques, de 61 anos, o Codorna, é o motorista mais antigo da linha 4111, que liga os bairros Anchieta, na Região Centro-Sul, e Dom Cabral, Noroeste de Belo Horizonte. Ele estreou na frota da empresa em 1982 e reconhece que, de lá para cá, passou de funcionário a vítima do sistema de ônibus da capital. “Tudo culpa do trânsito”, afirma, sem muita esperança em pacotes para acabar com os congestionamentos. Quando começou, fazia a viagem em 45 minutos. Ontem, levou o dobro para cumprir o trajeto.

A equipe do Estado de Minas entrou no grandalhão dirigido por Codorna às 12h55, no ponto final da Praça Cidade do Porto, no Bairro Mangabeiras. Chegou às 14h25 à outra ponta do itinerário, na Avenida 31 de Março, próximo ao câmpus da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas). O quadro de horários da linha prevê uma viagem de 53 minutos, tempo suficiente para que ele chegue apenas ao Centro.

Os problemas começam logo no Anchieta. As ruas são estreitas e, para Codorna, o trajeto é pouco racional. Além disso, em algumas ruas é preciso enfrentar imprevistos, como um trator manobrando. “O ônibus dá voltas demais aqui”, comenta. O resultado é que, somente para sair do bairro, são necessários 20 minutos. O desafio seguinte é a Avenida Cristóvão Colombo e a Rua Alagoas. “Apesar de largas, elas são as que mais ‘agarram’, porque têm estacionamento nas laterais. Se liberassem essas áreas, teríamos mais faixas para circular”, sugere.

Vencida a Savassi, o ônibus entra na Afonso Pena às 13h30. E lá fica. Entre a Rua Timbiras e a Avenida Álvares Cabral, pouco mais de um quarteirão, o engarrafamento não deixa o ônibus avançar. Não é para menos. “A pista é grande, mas ainda não fizeram um corredor só para nós”, reclama o motorista. Para encostar nos pontos, mais uma dificuldade. Foram construídas baias, mas nelas não cabem mais que dois coletivos. Para embarcar os passageiros, é preciso esperar espaço para parar.

No arranca-e-pára, ele consegue chegar à Rua Tupimambás. A essa altura, são 13h48. Nessa hora, deveria estar no ponto final. “Ainda não chegamos à metade do caminho. Isso significa que tem alguém atrasado do outro lado”, explica. Na Amazonas, nem baias há. E, na Rua Tupis, as faixas exclusivas para o transporte coletivo são para inglês ver. Nos horários de pico, só ônibus e táxis podem transitar nelas, mas motoristas dos demais veículos desrespeitam a regra: “A placa é só de enfeite. Tem que pôr fiscal para acompanhar isso”, sugere Codorna.

O 4111 deixa o hipercentro às 13h55 e, finalmente, entra no Elevado Castelo Branco e na Rua Padre Eustáquio, outra que, para o motorista, não deveria ter área de estacionamento. “Ela é estreita demais e, mesmo onde não se pode parar, as pessoas fingem que não é com elas e param”, critica, enquanto um caminhão de cerveja descarrega em local irregular.

Às 14h10, o ônibus chega ao Bairro Coração Eucarístico, vizinho do Dom Cabral. Na Rua Tito Novais e na praça logo abaixo, não há pontos. Eles também viraram estacionamento. “Não é só uma questão de obras. Se a população tivesse mais educação, o trânsito seria bem melhor”, constata Codorna, antes de terminar a viagem. “Viagem mesmo!”, enfatiza.

A tarefa do motorista é ir e voltar três vezes de uma ponta a outra do itinerário. A jornada para isso é de 6 horas e 40 minutos, mas nunca é possível cumprir o prazo, o que o obriga a dia sim, dia não, compensar horas extras. “Há situações em que a gente estressa, quase explode. Mas não adianta”, conclui.

A PROPOSTA DE CADA UM

Juarez Rodrigues/EM/D.A Press
Pedro Arcanjo Mendes, 52 anos, motorista de ônibus

“Se um carro estraga no meio da Avenida Amazonas, os fiscais demoram muito a chegar para dar auxílio. E, aí, já se criou um longo engarrafamento”

PROPOSTA
Dobrar a frota da BHTrans para a retirada de carros que quebram no meio
da pista

Juarez Rodrigues/EM/D.A Press
Elson Xavier, 32 anos, motorista de ônibus

“BH tem grandes obras viárias, mas parece que elas não são feitas para os coletivos, que carregam mais gente. Os ônibus não cabem nas faixas de trânsito”.

PROPOSTA
Faixas de trânsito dimensionadas para os ônibus, não para os carros. Hoje, coletivos não cabem nas filas

Juarez Rodrigues/EM/D.A Press
João Alves Martins, 48 anos, motorista de ônibus

“Tem carro demais em BH. Mas o problema maior é que eles rodam vazios. Quanto mais gente dentro de um só veículo, maior será o alívio no trânsito”.

PROPOSTA
Programa municipal para incentivar carona em universidades, escolas e grandes empresas

Marcelo Sant Anna/EM/D.A Press
Wender Adriano Nunes, 36 anos, taxista

“O cidadão sairia de casa, pegaria um ônibus até o terminal do Centro. De lá, poderia ir para o trabalho a pé ou nas linhas circulares. Isso acabaria com os ônibus azuis”

PROPOSTA
Terminais de ônibus que liguem o Centro aos bairros. Na área central, passageiros transitariam por meio de linhas circulares e táxi-lotação

Marcelo Sant Anna/EM/D.A Press
Haroldo Moreira, 50 anos, taxista

“Hoje tem muito ‘guiador’ de carros nas ruas, faltam motoristas. Tem que haver mais rigidez na hora da renovação. Se tivesse a regra, pelo menos metade voltaria a freqüentar a auto-escola”.

PROPOSTA
Exames de rua para motoristas na hora de renovar a carteira de habilitação

Juarez Rodrigues/EM/D.A Press
Éder Alex Rodrigues, 27 anos, motorista de ônibus

“No fim da tarde, levo uma hora para cruzar o Centro. Tem carro demais e não é mais possível alargar as ruas. O jeito é proibir parte da frota de circular”

PROPOSTA
Rodízio de carros no Centro. Pelo menos duas placas seriam proibidas de circular em cada dia útil

Juarez Rodrigues/EM/D.A Press
Hélio Machado Soares, 61 anos, motorista de ônibus

“O trânsito já está bastante saturado. A mania da cortar o asfalto durante o dia tem que acabar”.

PROPOSTA
Decreto municipal proibindo obras que interrompam sistema viário entre 7h e 19h, em dias úteis

Juarez Rodrigues/EM/D.A Press
Delson Hilário Marques, 30 anos, motorista de ônibus

“Quem tem mais dinheiro não gosta de andar de ônibus. É preciso criar uma opção para que os ricos deixem o carro na garagem e esvaziem as ruas”.

PROPOSTA
Sistema de táxi-lotação nas avenidas Amazonas, Cristiano Machado, Getúlio Vargas e Antônio Carlos

Marcelo Sant Anna/EM/D.A Press
Delson Hilário Marques, 30 anos, motorista de ônibus

“As pessoas pegariam ônibus até o terminal do Centro. De lá, poderiam ir ao trabalho e voltar na bicicleta pública. Na Europa funciona. O usuário faria um depósito, para garantia da bicicleta” .

PROPOSTA
Sistema de transporte alternativo para o Hipercentro, integrando linhas fixas de bicicletas públicas aos terminais de ônibus e metrô

Marcelo Sant Anna/EM/D.A Press
Dorival Claret de Souza, 48 anos, taxista

“Entre 7h30 e 9h30, e também 17h e 19h30, os corredores seriam fiscalizados por câmeras. Fora desses horários, o trânsito até flui bem. O desafio é conseguir espaço em vias apertadas, como a Contorno”.

PROPOSTA
Corredores exclusivos para ônibus, em horários de pico, nas avenidas Amazonas, Contorno e Via Expressa
Juarez Rodrigues/EM/D.A Press
Não é só uma questão de obras. Se a população tivesse mais educação, o trânsito seria bem melhor. Geraldo Marques, motorista da linha 4111, que, além dos problemas de rotina, enfrenta imprevistos, como máquinas manobrando na pista.
21 mai 2008 - Estado de MinasVoltar