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Habilitação.Autoescolas denunciam que empresas oferecem CNH por até R$ 1.200 para cumprir norma

Carteiras são vendidas para garantir meta de aprovação

Na última semana, O TEMPO recebeu três denúncias, que o Detran prometeu investigar

Publicado no Jornal OTEMPO em 01/10/2010

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CHRISTIANE LINS

FOTO: CHARLES SILVA DUARTE - 7.4.2009

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Suspeita. Área de exame do Mineirão, onde instrutores estariam fazendo intermediação do esquema

CHARLES SILVA DUARTE - 7.4.2009

Suspeita. Área de exame do Mineirão, onde instrutores estariam fazendo intermediação do esquema

Não são raras as denúncias de venda de carteiras de habilitação. Mas se antes eram os alunos os denunciantes, agora são as próprias autoescolas que apontam a fraude da concorrência. O motivo da "guerra" entre os Centros de Formação de Condutores (CFCs) é a nova regra do Conselho Nacional de Trânsito (Contran) para a renovação do credenciamento das autoescolas. O Contran exige uma aprovação mínima de 60% dos alunos nas provas teóricas e práticas.

Durante a semana, três denúncias foram feitas a O TEMPO, todas provenientes de proprietários e funcionários de CFCs preocupados com a meta a ser cumprida. "Hoje mesmo aconteceu isso na área de exame do Mineirão. Uma menina, aluna da minha autoescola, comprou a carteira com a intermediação do instrutor de outra autoescola e passou. Os outros três alunos que estavam no mesmo carro não passaram", relatou um empresário que pediu para não ser identificado.

A maior preocupação, diz ele, é com o índice de aprovação exigido pelo Contran. "Como vou alcançar os 60% de aprovação se as coisas acontecem dessa forma? Os examinadores têm, primeiro, que aprovar os que pagam. Como não podem passar todo mundo, quem não entra no esquema vai ficar prejudicado".

A outra denúncia vem de Vespasiano, na região metropolitana: a cidade teria se transformado num paraíso para empresas e alunos corruptos que desejam uma habilitação sem precisar fazer provas de legislação ou direção.

Um esquema entre as maiores autoescolas da cidade foi denunciado por uma pessoa que se identificou como funcionária de um CFC. Segundo ela, os próprios instrutores oferecem "uma mãozinha" para facilitar a aprovação do aluno no exame de direção.

"Até um dia antes do exame o aluno tem que pagar R$ 1.200 para o instrutor. No dia do exame, antes das provas começarem, ele combina tudo com os examinadores", conta. A pessoa diz que a autoescola em que trabalha não faz negociatas desse tipo, mas conta que muitas pessoas, com medo de a pauta vencer e terem que passar por todas as etapas de novo, aceitam a proposta.

"Das pessoas que toparam pagar, não sei de nenhuma que tenha dado errado. Aqui em Vespasiano está uma vergonha, e ninguém faz nada. Por isso, resolvi denunciar", protesta.

Facilidade. Sem se identificar, a reportagem procurou os dois Centros de Formação de Condutores denunciados demonstrando interesse em comprar o documento. A pessoa que nos atendeu disse que seria possível conseguir uma habilitação por R$ 1.200 com pagamento à vista.

Em outra autoescola de Vespasiano, a pessoa que nos atendeu explicou como poderia ser feita a transferência da pauta no Detran de Belo Horizonte para a cidade. "Você arruma um endereço aqui em Vespasiano e traz a autorização da pessoa, o resto a gente faz". Sem dizer qual valor deveria ser pago para facilitar a habilitação, a pessoa informou que o assunto deveria ser tratado diretamente com um dos cinco instrutores da autoescola.

O TEMPO denunciou esquema semelhante em Betim

Em janeiro deste ano, O TEMPO denunciou o mesmo tipo de negociata em Betim, na região metropolitana da capital, para a obtenção de carteira de motorista. No município, a aprovação no exame de direção era vendida por R$ 1.000, em duas parcelas. A primeira, de R$ 200, ficaria com as autoescolas, no momento da encomenda. O restante seria pago no dia da avaliação para a dupla de examinadores, que divide os R$ 800 da propina.

O esquema de venda de carteiras funcionava graças à colaboração de autoescolas conveniadas pelo órgão de trânsito estadual. Aos instrutores dessas firmas, que são os intermediários do esquema, cabia o papel de recrutar novos clientes, que, posteriormente, seriam encaminhados diretamente para a avaliação dos examinadores participantes do esquema.

Uma força-tarefa, formada pelo Ministério Público Estadual (MPE) e pela Polícia Civil, instaurou inquérito para investigar o esquema de venda de carteiras. Inicialmente, o foco da investigação era descobrir quem são os examinadores do Detran-MG que estariam recebendo propina. Dez meses depois, a Polícia Civil ainda não chegou a qualquer conclusão sobre o esquema de venda de carteiras em Betim. (CL)

Flagrante

CNH falsa. Um homem de 40 anos foi preso na manhã de ontem em fiscalização na rodovia MG-010, próximo ao bairro Serra Verde, por uso de documento falso.

De acordo com a Polícia Rodoviária Estadual (PRE), ele apresentou uma carteira de habilitação de uma pessoa homônima, mas o CPF era diferente.

Vespasiano

Legislação pode custar até R$ 1.500

Não é apenas o exame de direção que está sendo fraudado na cidade de Vespasiano. As provas de legislação também podem ser "compradas". Conversando com moradores da cidade, descobrimos que um homem, conhecido como Gilson, oferece o serviço por R$ 1.500.

O método utilizado pelo impostor é simples: o aluno entrega a Gilson a carteira de identidade. Com um secador de cabelo, ele descola o documento e substitui a foto do aluno pela foto da pessoa que realmente irá fazer o exame de legislação.

"Ele vem de Belo Horizonte com o carro cheio de gente, parece uma quadrilha. As pessoas fazem a prova e vão embora", diz o morador. "Já vi senhoras de idade que não tinham a menor condição de tirar a habilitação pagarem por isso e conseguirem a carteira. São essas pessoas que estão hoje nas ruas dirigindo", diz indignado. (CL)

Detran confirma suspeitas de corrupção

O delegado Anderson França, chefe do setor de habilitação do Detran-MG, informou ontem que irá investigar as denúncias contra as autoescolas de Vespasiano. Em relação às supostas fraudes envolvendo empresas da capital, o delegado disse que, na semana passada, tratou do assunto com proprietários de autoescolas.

"Realmente há uma preocupação com o índice de 60% exigido pelo Contran e com as fraudes. Mas tem que dar nome aos bois. Quem denuncia tem que dizer o nome da autoescola e do examinador envolvido na corrupção. Tem que denunciar, mas com informação". (CL)

01 out 2010 - JORNAL O TEMPOVoltar