NOTÍCIAS » MESMO ESTOURANDO PONTOS NA PERMISSÃO PROVISÓRIA, MOTORISTAS OBTÊM CARTEIRA EM MG

Assim como Thor, filho do bilionário Eike Batista, cerca de 200 mineiros por ano cometem infrações
suficientes para perder a permissão provisória de motorista, mas acabam recebendo a carteira definitiva
Mateus Parreiras
Publicação: 22/03/2012 06:00 Atualização: 22/03/2012 10:02
Beneficiados pela lentidão do sistema do Departamento de Trânsito de Minas Gerais (Detran/MG) e por mandados judiciais, pelo menos 583 motoristas mineiros com Permissões para Dirigir (PPD) burlaram as regras do jogo e tiraram a Carteira Nacional de Habilitação (CNH), mesmo somando cinco pontos em multas, o suficiente para perder a autorização. É a mesma situação de Thor Batista, de 21 anos, filho do empresário Eike Batista, o homem mais rico do Brasil e dono da oitava fortuna do mundo. No sábado, o jovem atropelou e matou um ciclista na Baixada Fluminense (RJ). Ele tinha 51 pontos acumulados na CNH, incluindo 21 - cinco multas por excesso de velocidade - provenientes do tempo em que tinha uma PPD.
Os 583 motoristas, que deveriam ter recomeçado todo o processo de habilitação, com novos exames médicos, psicotécnico, provas de legislação e de direção, correspondem à soma de todos os infratores que chegaram a juntar mais de cinco pontos desde 2009. Destes, 132 estão sendo notificados pelo Detran a devolver os documentos. Foram 19 em 2009, 54 em 2010 e 59 no ano passado. Outros 450 receberam os documentos depois de determinação judicial. A soma deles corresponde a 4% dos 14.658 permissionários que, de fato, chegaram a ter seus documentos revogados e precisaram refazer todo o processo.
Essa brecha no sistema ocorre porque a inclusão dos pontos nas PPDs tem de ocorrer dentro de um ano, que é o tempo em que o candidato a uma CNH passa com o documento provisório. Contudo, há inúmeros recursos e ações judiciais que podem ser interpostos para retardar o cancelamento da permissão. "Pelo Código de Trânsito Brasileiro (CTB), o condutor no período probatório não pode ter mais de cinco pontos.
Mas seus pontos só são computados quando todos os recursos e possibilidades de defesa são transitados em julgados", diz o advogado especialista em trânsito e ex-assessor jurídico do Detran/MG Cláudio Abreu.
Para ele, a única forma de mudar esse "jeitinho" de não pagar pelas infrações cometidas seria uma
mudança na lei. "Os reincidentes deveriam ter a PPD pelo menos congelada se estiverem em recurso. Mas quem receber a CNH não deve devolvê-la, pois o CTB não prevê isso, a não ser quando há irregularidades na emissão, o que não é o caso", afirma Abreu.
QUATRO MESES
Segundo a delegada-geral coordenadora de Infrações e Controle do Condutor do Detran/MG, Inês Borges Junqueira, os recursos legais a que os portadores de PPDs têm direito a requerer podem atrasar a pontuação em quatro meses. Ou seja, se um permissionário já estiver há oito meses no período de experiência pode receber seu documento definitivo e circular nas ruas sem se sentir ameaçado.
A delegada, contudo, discorda do especialista e diz que vai cobrar as carteiras. "Esses 132 que conseguiram a CNH já foram chamados e terão os documentos cancelados, mesmo tendo recebido", garante. Ainda de acordo com ela, distorções nas multas mal preenchidas e prazos que se esgotam, como o de 15 dias para identificação do infrator, também colaboram para a impunidade. "Outra artimanha é transferir os pontos para outro motorista, dizendo que não era a pessoa que dirigia no momento da multa. A única infração a que isso não se aplica e que excede os pontos de muitos permissionários é a falta de registro do automóvel", disse.
Novos exames depois de infração
Os exames exigidos pelo Detran-MG fizeram com que o mecânico Breno Vieira Borges, de 22 anos, levasse quase um ano entre provas e cursos. Quando finalmente conseguiu, no ano passado, bastou um deslize para perder a Permissão Para Dirigir (PPD) e ter de passar por tudo de novo. Ele tinha permissão do tipo “B”, para automóveis, mas confessa que estava usando uma moto para ir do trabalho, em Contagem, na Grande BH, para sua casa no Bairro Betânia, na Região Oeste da Capital. “Ainda pensei em argumentar com o policial, falar que estava trabalhando, que precisava da carteira e tudo mais”, conta. A resposta o fez desistir de manter a moto e jurar não repetir o erro de novo.
“O policial disse que eu tinha de ter pensado nisso antes de usar um veículo diferente do permitido. Recebi uma multa grave. Continuei dirigindo até que ela venceu, mas depois tive de refazer tudo (cursos de habilitação) de novo”, afirmou.
Para o advogado especialista em transporte e trânsito Cláudio Abreu, o tempo que o permissionário passa com a carteira provisória é importante para que ganhe experiência e aprenda conceitos importantes. “Acho que a legislação brasileira deveria aumentar o tempo mínimo exigido para aprender. É muito pouco para ter educação, gentileza e dinâmica no trânsito. Com 25 horas, que dá pouco mais de um dia, já se pode fazer prova de legislação”, afirma. Ainda de acordo com ele, a questão dos motociclistas é ainda mais grave. “O indivíduo faz aulas práticas dentro de um circuito e faz prova nesse circuito, sem trafegar realmente nas ruas”, diz.
29 mar 2012 - SIPROCFC-MGVoltar