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Tortura a cada viagem
Superlotação em linhas de ônibus, principalmente as que ligam o Centro da capital a bairros mais distantes, é um tormento para passageiros e um desafio para BHTrans
Fábio Fabrini
Marcos Vieira/EM/D.A. Press
Coletivos que fazem o itinerário entre a Estação Diamante e o Centro são muito criticados por quem precisa usá-los nos horários de pico

A superlotação nos ônibus de Belo Horizonte chegou ao patamar da ilegalidade. Quando não circulam próximos da ocupação máxima definida em legislação federal para os horários de pico – sete passageiros em pé por metro quadrado –, os coletivos extrapolam essa marca. O presidente da BHTrans, Ricardo Mendanha, admite que a quantidade de pessoas que se espremem nesse espaço chega a oito. Mas, de acordo com especialista ouvido pelo Estado de Minas, o número é muito maior. Conforme a linha, até 12 têm de se acotovelar nos deslocamentos diários, o que mostra que a capital está muito longe de alcançar o que a empresa promete para a nova era do transporte. A partir de 19 de julho, quando as concessionárias vencedoras da licitação assumem o serviço, o limite será de cinco.

A cidade tem hoje 269 linhas, que transportam 1,5 milhão de pessoas em dias úteis. Em pelo menos 15% delas, a situação é crítica. O parâmetro de ocupação, chamado de padrão de conforto pelos técnicos da BHTrans, é rigorosamente descumprido. Em algumas regiões, como o Barreiro, o problema é tão grave que a empresa contratou uma consultoria especializada para estudar mudanças em 43 linhas, que carregam 181 mil pessoas por dia. Em algumas delas, como a 30 (Estação Diamante/Centro), a 3050 (Estação Diamante/Hospitais, via BH Shopping) e a 35 (Estação Barreiro/Centro, via Santos Dumont), os passageiros não conseguem chegar à roleta, quanto mais à porta de trás, para desembarcar. São obrigados a descer pela frente.

Barreiro é a única região da cidade em que, necessariamente, a maioria dos moradores passa por terminais para seguir para o Centro e outras regiões. Antes da implantação do BHBus, programa de reformulação do transporte iniciado em 1998, os passageiros seguiam direto dos bairros para o destino. A BHTrans implantou o sistema tronco-alimentador, que os obriga a fazer baldeação nas estações para continuar a viagem. O objetivo era racionalizar o serviço, cortando a frota que rodava, desnecessariamente, em itinerários de longa distância. A demanda ficou concentrada em poucas linhas, que, com o passar dos anos, não suportam mais a procura.

Pressionada pelos passageiros, a empresa chegou a aumentar o número de partidas. Mas não há mais espaço nas estações. Nos horários de maior movimento, os embarques ocorrem a cada três minutos e não há margem para mais ampliações. A situação pode ser pior, pois nem sempre os empresários que operam as linhas cumprem os horários acordados com a empresa.

Lentas e entupidas. É esta a descrição que o corretor de imóveis Renato Fortuna, de 49 anos, dá às linhas 35 e 3050, que usa, diariamente, nos inícios de manhã e noite. Morador do Bairro Tirol, ele conta que, para viajar sentado, depois das 17h30, precisa pegar o ônibus no sentido contrário, dar a volta no Centro e, só então, tomar o rumo de casa. “Não tem outro jeito. Agüentar uma hora e meia de viagem em pé, depois de um dia inteiro de trabalho, é desumano”, comenta.

A auxiliar contábil Priscila Gonçalves, de 20, diz que na linha 30 não é possível sequer chegar à parte traseira do ônibus. Ela conta que, via de regra, viaja espremida na porta ou perto do motorista. Ao chegar à Via do Minério, do outro lado da cidade, desce pela porta da frente. “Antes, o cobrador pergunta, um a um, se a passagem foi paga. O tratamento é horrível”, reclama.

As dificuldades se repetem em outras áreas da cidade, com maior ou menor intensidade. O pesadelo do vigilante Arildo de Souza, de 32, são os números 9205 e 9207 – linhas que atendem o Bairro Nova Cintra, na Região Oeste. “Viajamos igual a manga no cacho, todos grudados. O cheiro é horrível, não circula ar e, para as mulheres, a situação é constrangedora”, critica, descrente com as mudanças da nova rede de transporte, que será implantada com a escolha das empresas que vão explorar o serviço nos próximos 20 anos: “Promessas assim são feitas há anos e nunca se realizaram. Por que devo acreditar agora?”

IMPACTO O engenheiro Frederico Rodrigues, consultor em Transporte e Trânsito, afirma que o limite de sete pessoas por metro quadrado é alto para os padrões internacionais. Na Europa, admitem-se quatro ou cinco. “Mas temos muito mais que isso em algumas linhas. As pesquisas da área mostram que a ocupação chega a 12. Uma situação em que, se a pessoa soltar as mãos, não corre risco de cair”, diz. O aumento da frota, segundo ele, é uma solução complicada para os gestores do sistema, pois pode elevar os custos do transporte e impactar a passagem. “Hoje, não há subsídios ou isenções para os sistemas de ônibus e a tarifa banca todas as despesas”, afirma.

Não por acaso, a BHTrans estuda outras alternativas para o Barreiro, como implantar rotas dos bairros para o Centro ou a Zona Sul, sem passar pelas estações. Isso evitaria a saturação dos coletivos nos terminais. Outra alternativa seria oferecer partidas nas paradas com maior demanda, sem que os ônibus parem em pontos intermediários.

O Estado de Minas pediu ontem, pela segundo dia consecutivo, a lista das linhas com ocupação superior ao limite definido em lei, além dos respectivos números, mas a BHTrans se negou a apresentá-la. A empresa informa que vem fiscalizando a superlotação, mas, consultada sobre a quantidade de autuações aplicadas aos empresários do transporte, não soube informá-la. O presidente do Sindicato das Empresas de Transportes de Passageiros (Setra-BH), Iraci Cunha, não quis comentar o assunto.
20 jun 2008 - Estado de MinasVoltar